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A saga da vakinha

dez 7, 2020

5 dicas sobre gestão financeira de fazendas

[texto de Túlio Mattos]

Capítulo 4% – O Começo do Mundo

Oi, tudo bom? Cê já ficou sabendo ou ouviu falar da Vaquinha da Recria Cine? Não? Pois sou eu! Prazer, gente. Meu nome é Vaquinha, mesmo, e vim aqui pra contar minha história de vida. Sim! Bem-vindos e bem-vindas ao arquivo confidencial criado por eu mesma! (aplausos)

Eu sou como todos vocês: nasci num dia que existe, 21/04, signo de touro, no meio de um pasto e fui uma garrota normal. Com poucos sonhos, porque o presente era e sempre será mais urgente do que o futuro, e muito sonhadora, porque o tempo passava por mim com uma naturalidade que nem fazia motivo pra eu ficar distinguindo o hoje do amanhã. A vida era uma coisa só: a vida. Todo dia era todo dia o dia inteiro.

Com o tempo, passei a entender o que é o dia e a noite. Pra mim, o sol e a lua eram um bicho só e do pasto, como os passarinhos e os mosquitos. E que, como todo bicho, dorme e acorda clareando e escurecendo.

Depois, descobri que o sol e a lua não são um bicho. São dois. E que eles não são só do pasto. Quando o sol acorda, ele bate lá na casa do Felipe, o humano que vinha, amarrava as pernas da minha mãe, e dava de comer primeiro ao Balde, de quem ainda morro de ciúmes. Ao contrário de todos os bichos que bebem leite por aqui, o Balde é um bicho já adulto. Apesar de ter mamado em todas as vacas que eu conheci, ele nunca mudou de tamanho e nem parou de mamar. Meu maior medo era crescer e ter que amamentar o Balde.

Quando acordava a lua, todo mundo estava exausto de ser boi o dia inteiro, e o Felipe guiava a gente pro curral como se a gente não soubesse o caminho. Lá ele se despedia e costumava deixar um agrado, às vezes milho, às vezes sal, e em raras datas, caninha de açúcar. Quando ele ia embora, as vacas adultas se sentiam mais a vontade para falar das suas ambições, e quando a lua fazia cara de sol no céu, contavam histórias de terror sobre cobras, brejos e O Caminhão do Nunca Mais. Tudo baseado em fatos reais.

O Caminhão do Nunca Mais… Minha mãe detestava-o. Minha mãe era também a grande mãe da manada, e foi ela quem questionou ao Felipe o que ele pensa que nós somos? Essa pergunta deixou o Felipe sem resposta, e nós cheias de perguntas. O que nós somos?

Saibam que essa história, ainda que curta, ficou marcada no calendário bovino como o Dia da Questão e é feriado mundial até onde a gente conhece. Muita coisa mudou no pasto depois disso. Conto mais no capítulo 10%.

Capítulo 10% – O que Somos Nós

Olha só! Chegamos nos 10% e até passamos um cado! Muito obrigada, gente. Então, vou continuar a história.

Os dias após o Dia da Questão se repetiam com padrões definidos. Os galos chamavam o sol pra dedurar que a preguiçosa da lua tinha ido dormir e, com isso, atrapalhavam o sono de todo mundo. Os galos sempre tiveram uma rincha com a lua porque ela é o único bicho que consegue dormir em paz apesar dos seus escândalos. São uns bichos engraçados os galos. Eles dizem ser os verdadeiros donos do mundo por serem herdeiros do dinossauros. A imaginação deles é muito fértil e eles são tolos o suficiente para acreditar nas próprias invenções. Nenhum bicho diz ter conhecido um outro dinossauro que não fosse exatamente como um galo.

Mamãe passava as tardes em um luto disfarçado. Ela era muito sentimental e próxima a todo mundo do rebanho, então sua vida foi triste desde a primeira vez que ela viu o Caminhão do Nunca Mais. Como ele nunca parou de vir, ela nunca parou de ser triste. Era muito comum vê-la mastigando mato repetidamente com o olhar distante, como se ela mesma não estivesse ali.

Em um desses dias normais, assim que Felipe chegou no pasto, mamãe gritou “de novo não!”. Era um ritual. No dia do Caminhão do Nunca Mais, Felipe dava leite ao Balde nos olhando com olhos de consolação sem motivo prévio para consolo. Pouco tempo depois vinha o motivo pela estrada e a feição de Felipe mudava rapidamente e ele sorria ao motorista do Caminhão. Nesse momento, nos reuníamos em volta da mamãe para um último adeus , mas dessa vez, com a Vareta de “Oooa”, Felipe nos afastou dela, amarrou uma corda ao seu focinho e…
Mamãe com as pernas trêmulas… com os olhos descrentes… Oooa…
Revolta… Coice… Vareta… Oooooa…
Eu não lembro direito das cenas… Oooooa!

Quando mamãe se foi, o pasto parecia um poleiro. Éramos todas galos a denunciar coisas ao sol e a pensar sobre nossa condição nesse cercado e o eco de cada Oooa. Felipe foi embora mais cedo machucado. Mamãe foi embora pra sempre e pro nunca mais. Nosso pasto nunca foi nosso. A gente não podia mais ficar ali.

Capítulo 50% – O Dia do Não Fico

Então chegamos aos 50%? Gente do céu… Que bom! Eu detestaria que o último capítulo da minha história fosse o dia em que perdi metade de mim. Ainda tem a metade que ficou.

No dia seguinte ao da tragédia do Caminhão do Nunca Mais, nem mesmo o sol esboçou vontade de acordar. Quando lua foi dormir, o céu ficou um grande vazio cinzento. Lembro que chovia tão forte, que o canto dos metidos dos galos foram abafados pelo barulho de cachoeira que fazia a grama. Todo o curral estava líquido. A água invadia pela porteira larga o teto das vacas mais tristes de todas as roças. O pasto tinha virado um brejo e era até melhor assim. Seria horrível ter de explicar aos sorridentes passarinhos o motivo do nosso luto. Até são legais os passarinhos. Eles têm ótimas piadas e cara de sol por viver tão junto dele, mas naquele dia nenhuma vaca queria sorrir para ninguém. Éramos chuva.

Felipe foi até o curral fingir que tinha alguma coisa para fazer. Trazia numa mão um saco de milho e, na outra, a Vareta de Oooa. Foi o milho mais sem graça que eu já conheci, e olha que eu já conheci alguns milhos na vida. Felipe trazendo nas mãos, ao mesmo tempo, o agrado e a vareta, era a imagem que minha cabeça se esforçava para formar, mas falhava por ausência de inspiração. Já não queríamos saber quem éramos nós. Parecia mais urgente descobrir quem era Felipe.

Ele abriu a porta do curral sob uma chuva fina e chegou nos sorrindo um sorriso mais amarelo do que vaca em silêncio. Eu achei uma afronta ele vir até nós e sorrir depois da tempestade. Parecia mesmo uma afronta. O que ele faria depois? De que tipo de barbaridade seria capaz o Felipe? Parecia tanto uma afronta, que a Vaca Cinza cor de céu sem sol nem lua, ficou com o pensamento anuviado e partiu para cima do Felipe em um ato desesperado. Era o impulso que precisávamos. Não corríamos exatamente para cima do Felipe nem para lugar nenhum definido. As vacas de trás só sabiam que corríamos juntas. Mas corríamos. Quando dei por mim, vi que estávamos na estrada. A porteira havia ficado para trás e, atrás da curva de trás, se ouvia rápida a moto de Felipe, o mais novo dono de um brejo vazio.

CAPÍTULO 64% – O outro lado da cerca

Porteira afora, a fuga do pasto tinha na boca um gosto indescritível. Não é desses gostos que pousam na língua como o do capim-gordura, mas um gostoso que percorre o nosso corpo todo. O coração parecia dar valor ao peito. Pesava de tão leve. Borboletas faziam festa nos meus quatro estômagos. A liberdade era alimento de satisfazer a alma, porém a boca tinha fome e, em troca da liberdade, nós ofertamos nosso pasto. Logo na noite da fuga, percebemos que nossa festa não tinha comida nem bebida. Éramos livres, mas o mundo não. Em toda nossa marcha, não houve nenhum cenário que não fosse delimitado por cercas de arame farpado.
Nos entedemos rápido como vacas de beira-de-pasto. O touro (quem diria?) foi o primeiro a se dar às sobras quando sentiu fome. Estávamos pastando com as patas na poeira da estrada de cascalho, um lugar que só os cavalos conheciam. Mas quem descobre um caminho novo percebe que o mundo não acaba, então havia de ser temporário. Tinha que ser. Mas corria dia, passava noite e nada. Éramos as vacas mais magras da época. Não existe pasto sem mãos de gente para ordenhar. As árvores tomam conta de tudo que é permitido ficar em estado de natureza. Lugar sem gente é mata. Descobrimos então que não éramos só criaturas sem pasto, éramos também criaturas estrangeiras. O que não tem dono não é da nossa natureza. O touro (eu diria!) juntou tudo o que restou da sua força descomunal para criar um motim de causas desistentes.
_Precisamos voltar!
_Mas você sabe o que nos espera lá!
_Sei também o que nos espera aqui!
_Mas o Felipe…
_Não é dos piores! Quanto vocês acham que teremos que andar até que encontremos um humano bom?
_Não podem ser todos ruins!
_Claro que podem! Há defeitos de espécie! Toda cobra pica, todo arame espeta e todo humano faz cercas!
_Mas o Caminhão do Nunca Mais…!
_É melhor do que as Motos do Logo Menos!
_Nós vamos ficar!
_Então todo dia será época de vacas magras!
E se voltou rumo à volta com aquele seu passo de boi.

E O PRÓXIMO CAPÍTULO?

A Saga da Vaquinha narra a história de nossa heroína, Vaquinha, mas também narra o progresso da nossa querida Vakinha – a campanha de financiamento coletivo da Recria Cine. Nos ajude a contar essa história! O próximo capítulo será lançado quando alcançarmos 65% da campanha.

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